Aceitação: esteja confortável consigo mesmo


Ninguém é perfeito. Mas com frequência comparamos nossas falhas com as qualidades dos outros. A fixação nos nossos defeitos — aquilo que não somos ou temos, em vez do que temos — dificulta ainda mais a felicidade. Aprender a aceitar-se — com verrugas e tudo mais — e ser gentil consigo mesmo quando as coisas dão errado, aumenta a capacidade de desfrutar a vida, a resiliência e o bem-estar. Também ajuda a aceitar os outros como são.
A auto-crítica constante nas nossas mentes, sobre não ser bom o suficiente é um caminho garantido para a infelicidade. Isso não significa que devemos ignorar os nossos pontos fracos ou as coisas menos boas que acontecem, mas sim que devemos aceitar que ninguém é perfeito, incluindo nós mesmos. Significa colocar em perspetiva as nossas imperfeições (e coisas que nos acontecem), vendo-as como algo rotineiro em vez de incomum. Também é uma mudança de foco, movendo-se daquilo que não temos ou não podemos fazer, em direção àquilo que temos ou podemos fazer.
Psicólogos descrevem o nosso bem-estar em duas partes: sentir-se bem (aquilo que talvez normalmente consideramos como felicidade) e funcionar (ou atuar) bem. Atuar bem é um aspeto composto de diversos fatores-chave mentais que contribuem para quão bem ou feliz nos sentimos. Um desses fatores é a auto-estima ou auto-aceitação.
A auto-estima, ter um sentimento positivo sobre nós mesmos tem sido um objeto de estudos psicológicos há bastante tempo. A auto-aceitação expande esse conceito para incluir: o conhecimento das nossas forças e fraquezas, estar de bem com o passado e sentir-se bem consigo mesmo com consciência das nossas limitações. É importante notar que a auto-aceitação não significa ignorar onde não estamos bem ou os nossos erros, sendo mais uma questão de trabalhar a favor e não contra.
O renomado psicólogo Albert Ellis, descreveu duas opções: aceitar-nos condicionalmente (ou seja, sob certas condições, como por exemplo, no caso de termos sucesso) ou incondicionalmente (sob todas as circunstâncias). A primeira opção, diz ele, “é mortal” — se não preenchermos todos os requisitos que definimos para nós mesmos, imaginamo-nos como perdedores ou inúteis, em vez de aceitar o fracasso como parte normal da vida e aprender com isso.
Se estivermos deficientes em auto-aceitação, podemos ficar perturbados com aspetos sobre quem pensamos que somos, e passar a ansiar a ser alguém diferente, o que leva a expressões negativas sobre si mesmo. E isso realmente fica no caminho para realizarmos o nosso potencial, a nossa felicidade.
Há bastante evidência científica de que pessoas com um senso equilibrado de auto-valorização e auto-estima (avaliar que somos bons e valiosos) vivenciam mais felicidade e otimismo, e menos negatividades, depressão e ansiedade do que as pessoas com menos auto-estima.
Mas a auto-estima em si também pode ser problemática. De fato, Martin Seligman, o “pai” da psicologia positiva, alertou sobre os perigos de inflar excessivamente nosso lado positivo. Por exemplo, isso leva a uma sensibilidade cada vez maior a comentários negativos sobre nós, tornando o auto-aperfeiçoamento difícil, e pode levar a raiva e agressão quando o nosso ego é ameaçado.
A auto-estima (diferentemente da auto-aceitação) tipicamente baseia-se nos julgamentos sobre o nosso desempenho em áreas específicas da vida — por exemplo, aparência ou rendimento no trabalho, escola ou certa atividade, como desportos ou artes. Como essas avaliações dependem da nossa atuação naquela área, o quão bem nos sentimos flutua conforme o nosso último sucesso ou fracasso.
A auto-estima também implica um julgamento sobre o nosso desempenho em relação a outras pessoas, então pode levar a um senso de superioridade — e, consequentemente, separação — em relação aos outros. Como as nossas relações com as outras pessoas formam uma fonte-chave de felicidade, ter auto-estima demais pode sabotar nossa satisfação. Então ao mesmo tempo que a auto-estima pode nos deixar mais felizes (e certamente baixa auto-estima nos faz mais infelizes), isso não é sempre uma coisa boa.
Todos conhecemos a expressão “faça aos outros o que gostaria que lhe fizessem a si”, mas talvez isso também precise ser invertido. Somos mais severos connosco mesmos em relação a coisas que, nos outros, teríamos compaixão. Imagine um amigo íntimo que não conseguiu uma promoção no trabalho. Não lhe diremos: “você não serve” ou “jamais vai chegar a lugar nenhum”. Provavelmente, diríamos: “pode tentar de novo” ou “talvez deva procurar um trabalho em que suas habilidades sejam mais valorizadas”.
A neurociência e psicologia modernas recentemente começaram a explorar o tema da “auto-compaixão”, um conceito budista de milhares de anos. Pesquisas estão mostrando que a auto-compaixão está associada com maior felicidade, otimismo, curiosidade, resiliência e menos depressão e ansiedade, sugerindo que ela tem todos os benefícios da auto-estima (e até mais) e poucas de suas desvantagens. Por exemplo, aparentemente ela promove a construção de relações com os outros.
A auto-compaixão é definida com base em três partes que se sobrepõe:
• Ser gentil e compreensivo consigo mesmo em momentos de sofrimento e aparente inadequação;
• Um sentido de humanidade compartilhada, que reconhece a dor e fracasso como aspetos inevitáveis da vida para todos os seres humanos;
• Uma consciência equilibrada de nossas emoções: a habilidade de encarar (em vez de evitar) pensamentos e sentimentos dolorosos, mas sem exagero, drama ou auto-piedade.
Kristin Neff, psicóloga de ponta no estudo da auto-compaixão, diz que se pensarmos que somos a única pessoa a estragar tudo ou que não é boa em algo, isso nos faz sentir inadequados e pode levar a sentimentos de vergonha, que faz com que cortemos contato com os outros. Por outro lado, se compreendermos que isso é algo que todos sentimos às vezes na vida, isso traz um sentimento de estar conectado aos outros e nos habilita a ter o mesmo cuidado, gentileza e preocupação com nós mesmos, do mesmo modo como fazemos com as pessoas próximas. Em outras palavras, ela diz, a auto-compaixão “está disponível exatamente quando a auto-estima nos deixa na mão” [6].
As pesquisas de Kristin e de outros também demonstram que a auto-compaixão promove o auto-aperfeiçoamento e reduz a comparação com os outros (que também é um obstáculo para nossa felicidade). Ela ajuda a colocarmos os nossos problemas em perspectiva e, assim, reduz a paralisante auto-piedade. Como se trata de cuidar de nós mesmos, ser auto-compassivo motiva-nos a trabalhar os desafios e aprender com os erros. De fato, foi demonstrado que ela está positivamente relacionada com o desenvolvimento de novas habilidades e conhecimentos [6].
A auto-aceitação e auto-compaixão estão também intimamente relacionadas com atenção plena e meditação.



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